O Conselho Municipal de Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais de São João del-Rei é um órgão colegiado que tem por objetivo propor, deliberar, contribuir na normatização e acompanhar e fiscalizar políticas públicas relativas aos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). Na Lei Municipal de criação do referido conselho uma das nossas atribuições é dar pareceres sobre projetos de lei relativos à questão de LGBT, quer seja iniciativa do Poder Executivo ou do Legislativo.
Sobre o Plano Municipal Decenal da Educação de São João del-Rei é salutar trazer a público que este conselho não recebeu, nem do executivo e nem do legislativo, o documento do referido plano para que pudéssemos emitir nosso parecer técnico de matéria que gerou debate e polêmica, além de muitas informações inverídicas sobre o conteúdo do plano que afeta, diretamente, os direitos da população LGBT. Ainda assim, sabedores de que os setores fundamentalistas religiosos se organizaram para invisibilizar a existência da violência contra LGBT nas escolas alguns de nossos conselheiros se envolveram, diretamente, no debate pressionando o Governo Municipal e os vereadores para que se mantivesse o texto original do projeto, qual seja, “implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação racial, por orientação sexual ou identidade de gênero, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão”.
Alguns de nossos conselheiros participaram de diversas conversas com a Igreja Católica chegando a um consenso, na quinta-feira (18/06), de que a redação do projeto seria modificada para “implementar políticas de prevenção à evasão no ensino médio, quando motivada por preconceito e discriminação de grupos étnico-raciais, idade, pobreza, mulher, homossexuais, transexuais, portadores de deficiência de qualquer natureza e credos religiosos, criando rede de proteção contra todas as formas associadas de exclusão”.No entanto, foi com surpresa que recebemos na sexta-feira a informação – emitida pelo Governo Municipal – de que a Igreja teria voltado atrás no acordo firmado no dia anterior e que o Governo Municipal teria cedido às pressões da Igreja e acordado que o texto que ficaria no projeto seria o já previsto na Constituição Federal, qual seja, “implementar políticas públicas de prevenção à evasão motivada por preconceito e discriminação de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, criando rede de proteção contra formas associadas de exclusão”. Dessa forma, este conselho não obteve mais força para tensionar e tentar convencer o legislativo e o executivo de que era necessário manter o acordo firmado entre as partes. Infelizmente, ficamos isolados e enfraquecidos no debate.
Reafirmamos nosso posicionamento de que o texto aprovado no Plano Decenal da Educação não representa a população LGBT, uma vez que nos invisibiliza e nega nossa existência e a violência que nos assola dentro e fora das escolas.
Lamentamos que a Secretaria Municipal de Educação e a Presidência da Câmara não tenham cumprido a Lei Municipal que cria este conselho e não tenham tomado as medidas burocráticas cabíveis de encaminhar o plano decenal para que este conselho emitisse parecer técnico sobre as metas que afeta, diretamente, a população LGBT. Acreditamos que se esse procedimento fosse adotado teríamos evitado inúmeras informações incorretas acerca do projeto e evitado o grande levante de ódio e intolerância praticados contra nossa comunidade LGBT nas últimas semanas. É importante lembrar que a Secretaria Municipal de Educação possui cadeira de titularidade e suplência neste conselho, mas a Secretaria Municipal não tem estado presente nas reuniões do pleno.
Lamentamos a forma como diversos vereadores encaminharam esse debate promovendo a animosidade e a cultura de discriminação que pode elevar o índice de violência contra nossa comunidade. Lamentamos que a maioria dos vereadores tenha cedido diante da pressão religiosa e ignorado o necessário debate sobre o problema da evasão escolar no ensino médio e os rumos da educação de São João del-Rei para os próximos 10 anos. Lamentamos o uso político dessa pauta que atinge centenas de adolescentes e jovens negros e pobres, mulheres e LGBT que sofrem, diariamente, com a violência de gênero e de orientação sexual e discriminação contra os povos tradicionais e de religiões de matriz africana dentro e fora das escolas.
Lamentamos que as pessoas com deficiência e a discriminação que vivenciam dentro das escolas também tenha ficado invisivel. Lamentamos que diversos vereadores tenham usado da polêmica para nos acusar de querer destruir a família com o intuito de criar palco político para as eleições no próximo ano. Lamentamos que a Secretaria Municipal de Educação tenha paralisado as atividades do projeto “ARACI” executado pelo curso de Teatro da UFSJ em parceria com a rede municipal de ensino mediante pressão religiosa. Ao contrário dessa postura, a Superintendência Regional de Ensino já declarou que vai ampliar as ações do projeto para toda a rede estadual. Lamentamos, também, que o Governo Municipal tenha dispensado o apoio e disposição da reitora da UFSJ para dialogar com os líderes da Igreja Católica no intuito de subsidiar com informações mais consolidadas sobre o plano decenal de educação e derrubar por terra as inverdades pregadas acerca do plano.
Reafirmamos que a redação aprovada pela Câmara Municipal de São João del-Rei não contempla e nem representa a luta das entidades representativas da sociedade civil organizada presentes neste conselho formado pelo Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação (SindUTE), Movimento Gay da Região das Vertentes (MGRV), Grupo de Mães e Pais de LGBT, Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e Comissão de Diversidade Sexual da OAB.
Por fim, reconhecemos e agradecemos todas as pessoas que se engajaram nessa luta e se solidarizaram com a população LGBT frente a essa intensa campanha de difamação, ódio, intolerância e discriminação fabricada numa falsa ideologia de gênero e levantada a partir de discursos proferidos em púlpitos religiosos. Em especial, agradecemos e reconhecemos a extrema importância que tiveram o Levante Popular da Juventude, SindUTE, Coletivo Carcará, Coletivo Dandara, Coletivo Os Invertidos, Projeto ARACI e a Universidade Federal de São João del-Rei por não desistirem da luta e irem para o embate por direitos.
Reafirmamos nossa disposição em continuar na luta por uma São João del-Rei livre do racismo, machismo, preconceito e discriminação LGBT. Por uma Câmara Municipal e Prefeitura Municipal laica, de fato!
São João del-Rei, 25 de Junho de 2015.