*Thays Marques
Carlos Bem: "A homofobia institucional é o principal desafio nestes 10 anos" |
O
Movimento de Defesa dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (LGBT) da Região das Vertentes com sede em São João del-Rei, Minas
Gerais, completa 10 anos de fundação em 2017. Ao longo dos anos a cidade
histórica destaca-se por ser a única no Estado de Minas que possui um Conselho
Municipal de Direitos LGBT em funcionamento, além de outras 06 leis municipais
que defendem essa população. Para falar das principais conquistas do movimento
e dos desafios para o futuro nós entrevistamos, com exclusividade, o fundador
do movimento, Carlos Bem, jornalista especializado em antropologia e estudante
do curso de pós-graduação em Letras na área de concentração Teoria Literária e
Crítica da Cultura pela Universidade Federal de São João del-Rei.
Thays:
O que motivou a fundação do movimento LGBT em SJDR?
Carlos
Bem: É preciso que a gente diferencie duas questões. A primeira é que temos de
ter em mente o que é o movimento LGBT. Ele é dinâmico, composto por muita gente
que é LGBT ou não. O movimento é um organismo vivo composto por pessoas que
todos os dias ousam enfrentar a homofobia e transfobia. E esse movimento não
está concentrado numa instituição ou numa liderança. Ele é polifônico e
multifacetado. O que nós organizamos em SJDR em 2007 foi uma organização
não-governamental cujo objetivo social é enfrentar a epidemia de HIV/AIDS e
combater a LGBTfobia. Esse modelo de organização é centralizado num estatuto,
numa diretoria e para fazer parte existem regras a serem seguidas. Esse modelo
foi escolhido por nós em 2007 porque é por meio dessa organização que o diálogo
com o poder público se estabelece sendo possível estabelecer parcerias de
diversas formas para que os objetivos sociais da nossa organização sejam
alcançados. O fato que impulsionou organizarmos esse coletivo foi quando um
conhecido apanhou na praça de matosinhos com chicote de cavalo. A agressão foi
motivada por homofobia. Na época não tinha nenhum órgão que defendesse as
pessoas LGBT na cidade. Nosso amigo acabou optando por não denunciar. Naquele
dia eu fui convencido de que tínhamos de fazer alguma coisa. E fizemos. Estamos
aí há 10 anos.
Thays:
SJDR se destaca no Estado pelo elevado número de leis municipais pró-LGBT. Como
o movimento trabalhou para efetivar estas conquistas?
Carlos
Bem: Há muito tempo eu participei de um curso de formação do Ministério da
Saúde com foco numa estratégia chamada Advocacy. É uma estratégia que, basicamente,
nos orienta a mapear o cenário e visualizar onde podemos avançar; quem são
nossos adversários, nossos aliados e as pessoas que ainda não estão mobilizadas
para apoiar nossa causa. Com base nessas estratégias fomos, ao longo do tempo,
acumulando leis importantes como a Lei Rosa sancionada em 2007 na nossa cidade
e que já serviu para que o judiciário interpretasse os casos de homofobia que
vencemos na justiça. Além disso, em 2013 conseguimos aprovar a lei que cria o
conselho municipal de direitos LGBT. Essa é um conquista extremamente
importante porque o poder público reconhece nossa existência e institucionaliza
o diálogo sobre nossas demandas. Fomos a primeira cidade do Estado a avançar
nessa questão da participação popular das pessoas LGBT. Até hoje o Governo de
Minas não criou o Conselho Estadual LGBT o que é, no mínimo, lamentável e
vergonhoso.
Thays:
Numa cidade histórica quais as principais dificuldades enfrentadas para atuação
o movimento?
Carlos
Bem: Penso que duas dificuldades marcam nossa história. A primeira é a
homofobia internalizada da comunidade LGBT da cidade. No início foi muito
difícil. Éramos criticados pelos próprios membros da comunidade LGBT de forma
pública e agressiva. Nós sabíamos que aquela manifestação era consequência de
uma sociedade fortemente marcada pelas características do patriarcalismo e da
opressão à livre orientação sexual e identidade de gênero. As pessoas LGBT não
acreditavam que podiam vivenciar suas identidades afetivas e sexuais livremente
sem ser objeto de discriminação e violência. Vencemos isso com o tempo, mas
ainda temos um caminho grande pela frente. A segunda questão é a homofobia
institucional em especial nos órgãos da Prefeitura Municipal. A gestão pública
foi organizada no Brasil com um viés totalmente elitizado e para atender os
interesses de empresários. Nada mais. Isso é história. E vivemos essa história
aqui. Não podemos esquecer que estamos falando de uma cidade onde a escravidão,
de fato, aconteceu. Então, nós ainda temos uma herança cultural que dificulta
muito a adoção de estruturas de gestão pública capazes de dialogar com os
movimentos sociais e com as novas demandas da sociedade. Com o amadurecimento
da democracia e a emergência do movimento LGBT já não é mais possível que o
poder público continue trabalhando com a mesma dinâmica e estrutura de 100 anos
atrás. Esse desafio começa a ser vencido com a criação do conselho LGBT, mas
ele ainda é muito novo e carece de um longo caminho para efetivar políticas
públicas capazes de garantir dignidade e cidadania plenas para esse grupo
social. Nosso principal desafio nesse momento é estabelecer um diálogo com o
novo governo municipal que tomou posse dia 1 de janeiro para que não retroceda
na estrutura de gestão que foi criada para as políticas de direitos humanos na
Prefeitura.
Thays:
O que podemos esperar do movimento para o ano em que se comemora uma década de
atuação?
Carlos
Bem: Temos pensado algumas ações importantes como o formato da semana da
diversidade sexual e da parada LGBT. O formato deve mudar. Já vem mudando nos
últimos anos, lentamente, mas agora vai mudar mais. Esse é nosso principal
instrumento de luta e visibilidade. Mas, a forma que deu certo há 10 anos não é
mais a mesma de hoje. Então, esse formato
deve mudar. É provável que a gente transforme a semana da diversidade sexual
num Festival de Arte e Cultura LGBT. Por falar em arte e cultura estamos
trabalhando para publicar um livro que conta a história dos 10 anos do
movimento. Acho importante deixarmos um relato histórico desse período. Um
documentário também está nos objetivos do movimento. A ampliação da nossa ONG é
algo que já está definido. Temos debatido internamente e amadurecemos a idéia
de que transformaremos nossa ONG numa entidade de defesa dos direitos humanos
de forma mais ampliada capaz de defender também os direitos das mulheres,
população negra, pessoas com deficiência, idosos, juventude, crianças e
adolescentes e, claro, a população LGBT. Nossa entidade passa a ser denominada
de Movimento de Defesa dos Direitos Humanos da Região das Vertentes.
Thays:
Quem quiser fazer parte do movimento deve adotar qual procedimento?
Carlos
Bem: Deve entrar em contato conosco pelo email: mgvsjdr@yahoo.com.br pedindo
orientações. Depois disso, a pessoa recebe um informe e passa a atuar conosco
na defesa dos direitos humanos.